Até agora, os estudos sobre a felicidade têm, entre nós, focalizado o ideal ocidental de felicidade, que é relativamente egocêntrico e cheio de emoções. Em virtude disso, “o conceito de felicidade que predomina no Ocidente tem a ver com uma visão de mundo autocentrada e protestante, que enfatiza o valor pessoal e o trabalho árduo para que se chegue ao sucesso e vê a felicidade como uma conquista pessoal”, escrevem Gwendolyn Gardiner e seus colegas, autores do artigo Felicidade em todo o mundo: uma abordagem ético-êmica em 63 países (Happiness around the world: A combined etic-emic approach across 63 countries), recentemente publicado na revista científica PloS ONE.

Mas os conceitos ocidentais de felicidade não valem para o mundo todo. Enquanto a felicidade, em países como Espanha, Estados Unidos, França, está ligada à independência, em países do Leste Asiático o que leva à felicidade é a interdependência.

“A visão de mundo de quem vive no Oriente foi descrita como aquela em que o eu está mais entrelaçado com os outros, de forma que a felicidade pessoal depende das conexões de posição nas relações sociais. As ideologias orientais do budismo, taoísmo e confucionismo enfatizam a interconexão de todos e de tudo, priorizando a harmonia e o equilíbrio sobre as realizações individuais”, destacam os autores.

Os coreanos falam sobre “felicidade” e “família” ao mesmo tempo, por exemplo. E pesquisas anteriores mostraram que até mesmo a medida mais óbvia de felicidade – um simples sorriso – é diferente no Oriente e no Ocidente.

Isso levou os pesquisadores da UCR – Universidade da Califórnia em Riverside (EUA) – a realizar um estudo envolvendo 15.368 participantes. As medidas utilizadas foram a Escala de Felicidade Subjetiva, desenvolvida nos EUA, e a Escala de Felicidade Interdependente, um teste relativamente novo desenvolvido no Japão. A medida oriental examina mais de perto fatores como “harmonia interpessoal” e igualdade de realização com os colegas.

O estudo envolveu pessoas que vivem em países tradicionalmente estudados nos Estados Unidos, Canadá e asiáticos, mas estendeu a análise a africanos, latino-americanos, gente do Oriente Médio e do sudeste asiático.
Estudantes em idade universitária em 63 países e 42 idiomas foram solicitados a fazer login em um site personalizado (ispstudy.ucr.edu) e a preencher uma pesquisa que incluiu medidas de felicidade.

A medida ocidental, a Escala de Felicidade Subjetiva, provou ser mais confiável para medir a felicidade em países da Europa Ocidental, incluindo Bélgica, Dinamarca e Reino Unido. Os países com maior desenvolvimento, menor crescimento populacional e climas mais frios tiveram maior probabilidade de pontuar de forma semelhante na medida ocidental, também chamada de independente. Mas a escala ocidental não foi tão eficaz para determinar a felicidade em países orientais, como China, Japão e Vietnã. E teve um desempenho bastante fraco em outros países, principalmente africanos.

A medida oriental, a escala de Felicidade Interdependente, mostrou por sua vez ser mais confiável em países asiáticos, incluindo Japão e Coreia do Sul. Foi mais difícil para os pesquisadores relacionar essas pontuações a fatores como desenvolvimento econômico ou culturais. E a medida oriental foi geralmente um indicador menos confiável nos países ocidentais.

Curiosamente, a medida interdependente de felicidade não variava tanto entre os países em que se mostrou mais confiável. O desempenho da medida foi muito mais consistente – uma descoberta importante para pesquisadores transculturais.

A medida ocidental foi mais confiável nos Estados Unidos e a oriental, no Japão. Isso chamou a atenção dos pesquisadores, porque esses são os respectivos países onde as escalas foram desenvolvidas.

“Para nós, esse resultado foi particularmente interessante e surpreendente porque, normalmente, os EUA e o Japão são os países prototípicos usados para destacar as diferenças interculturais na psicologia cultural”, disse Gardiner, que obteve seu Ph.D. da UCR neste outono, e agora está na Alemanha com uma bolsa de pós-doutorado da Fundação Humboldt. “Mas, neste caso, eles eram muito mais semelhantes entre si.”

As duas medidas tiveram um desempenho ruim em países sem tradições cristãs protestantes ou budistas, incluindo países africanos e do Oriente Médio. Estudos futuros devem considerar novas medidas para essas regiões do mundo, salientaram os autores.

Artigo: Happiness around the world: A combined etic-emic approach across 63 countries
Autores: Gwendolyn Gardiner, Daniel Lee, Erica Baranski, David Funder
Publicação: PLoS ONE
DOI: 10.1371/journal.pone.0242718

Tradução e redação por Marco Antonio Rosa